1.
Estive à beira da saudade, terra essa. As nuvens repletas de partículas sem rumo. Iam e (des)iam, recuos. Ritmo deslizar. De repente a névoa: onde a chuva nasce. Fiquei olhando o letreiro em néon. Palavras-neblina, altitudes. O futuro? Eu fabrico. Um mapa de sonhos à espreita. Encontrei a cidade sem querer. Assinalei no mapa o local exato. Andei por névoas, picos, chuvinhas outras. O mapa dobrado no tempo. O tempo dobrado no bolso. O bolso sem fundo. O mapa na chuva. Como sair de dentro do sonho agora?
*
2.
No azul transparente. Vagarosamente subo. Não havia mais barco algum. Só esse horizonte vasto, escancarado, por todos os lados. Flutuando em um azul sem referência. Um azul imenso. Desesperadamente azul. À deriva. Todos à deriva. Eu, os peixes, os barcos, as nuvens, os planetas, o sistema solar. À deriva. Para onde?
Em um instante já estou preparando meu café no barco. Um mapa no colo. Reconfortante. Percorro as ilhas com os dedos. Os corais, os percursos, as correntes marinhas. Tudo sob controle. Os peixes, o itinerário do barco, as massas de ar frio, a terra girando em torno do sol, o sistema solar, a via láctea. Tudo minuciosamente sob controle, seguindo uma rota precisa. Tomo um gole de café, com o mapa no colo. Reconfortante.
E de repente, eu pego uma ideia com a mão. Eu abro a ideia, como se abre um peixe. Não sei lidar com o que vejo. Ideia se debatendo. Não sei lidar. Me afasto. Tudo é por um triz. O vento desconhece o percurso que faz. Eu também, eu também. Respiro fundo porque a noite é longa, e o azul, incontrolável.
*
3.
Estou compondo um mapa de futuros e presentes. De cidades percorridas e imaginadas. Vou tomando fragmentos de cidades e esfregando na minha pele: me impregnando de areias, sóis, mares, cores, ruas, estradas. Estou traçando um mapa sobre a minha pele. Eu sou o próprio mapa. Que desenha a si mesmo. Um mapa que se reinventa o tempo todo. Um mapa que delimita os seus espaços só para depois borrá-los e desfazê-los. Um mapa que compõe o próprio chão, só para depois querer o voo. E partir: mapa-avião-de-papel. Frágil, vulnerável, avião de papel. Que vai durar até o infinito da próxima chuvarada. Um mapa que não aponta direções seguras, mas que inventa percursos, enquanto se desfaz. Um mapa.
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Créditos:
Imagem de abertura: Felipe Vernizzi