Silenciosos em suas existências pelos cantos da floresta ou pelas frestas das ruínas urbanas, os fungos sempre me causam um misto de encantamento e de espanto, com suas infinitas possibilidades de formas e de cores. Sua vida misteriosa parece breve aos nossos olhos, mas ela segue existindo muito além do que somos capazes de captar, transformando e decompondo a matéria como a conhecemos.
Quando olho para esses seres que tanto desconheço, sinto como uma dádiva a possibilidade de contemplar sua manifestação, ao mesmo tempo tão discreta e tão fundamental para os fluxos da vida no planeta. É nessa sutileza que acontece pelas bordas, de maneira silenciosa, que percebo certa subversão.
Em sua própria ontologia, com suas características de decompor e de transformar a matéria, os integrantes do Reino Fungi atuam como organismos de interação entre a vida e a morte. As imagens fotográficas escolhidas para a série Estudos sobre fungos & montanhas foram feitas na região da Cordilheira dos Andes, no Peru, em um jogo de escalas entre o micro e o macro. O que é ínfimo e o que é imenso se misturam em uma infinita trama invisível.
Como sugere Donna Haraway, ainda é tempo de levantar novos termos que possam abrigar outras histórias, imaginar épocas que possam reconstituir refúgios para todos os seres, humanos e não humanos. Em contraponto, ou complemento, ao antropoceno, Haraway propõe o termo chthuluceno, e sugere pensar em formas de fazer-com, tornar-com: é nesse sentido que acontece meu trabalho em cocriação com os fungos.
Ao induzir a propagação dos fungos sobre minhas imagens fotográficas, contamos juntos novas histórias e criamos novas possíveis paisagens. Vejo o movimento dos fungos sobre as fotografias como um movimento, de alguma forma, também utópico, como uma imagem que representa as ruínas dos saberes instituídos,
Na mesma medida em que seres ínfimos e silenciosos como os fungos me causam certo espanto por sua capacidade de decompor, eles soam como uma possibilidade de continuidade. Se a mudança é o que há de mais estável no mundo, os seres que decompõem são a garantia de que, depois dos humanos, o planeta seguirá seus próprios fluxos, com tantos outros habitantes, espécies e reinos. Toda a matéria será transformada e renovada para novas invenções: o fim do mundo retroprojeta um início do mundo. Toda a vida que sobrar, seguirá existindo — porque, na lógica dos fluxos da matéria no mundo, decompor é recompor.
Créditos:
Imagens e texto: Tuane Eggers